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Carta a um conjunto de Imagens

Zoy Anastassakis

Carta a um conjunto de Imagens

Zoy Anastassakis 1/22

Minha cara Imagem 1,
Me lembro bem de quando te produzi. Era de manhã, e eu chegava para mais um dia de trabalho. No meio do caminho rumo à sala de aula, tinha uma árvore. Tinha uma árvore caída no meio do caminho. Eu parei, e, antes de mais nada, precisei te registrar, minha prezada Imagem 1.

Imagem 1
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Mesmo assim, mal feita, como dizem, em baixa resolução, e meio sem foco. Eu precisava registrar o acontecimento com uma imagem. Tinha uma árvore caída no meio do caminho. Cliquei. Pronto. Agora, eu já pensava sobre o que seria preciso fazer com a árvore caída no meio do caminho. O que era essa árvore? Que árvore era essa? Caira assim, de repente? Essas questões me diziam respeito sobretudo porque eu não chegava ali, nesse meu ambiente de trabalho, naquela manhã, com o único propósito de dar aulas. Naquele momento, eu exercia, também, a posição de direção daquele lugar, onde um dia eu fora uma estudante. Sabia, então, que caberia a mim coordenar as ações que se seguiriam à interrupção da minha caminhada rumo à sala de aula para a produção da Imagem 1.

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O que fazer com essa árvore no meio do caminho? Eu que, naquela manhã, me encaminhava para a sala de aula a fim de dar prosseguimento ao acompanhamento da turma do curso de meios e métodos em design de comunicação. Curiosamente, minha querida Imagem 1, naquele momento, aquela turma trabalhava sobre os processos históricos de produção de uma determinada superfície plana em que se pudesse expandir o centro da nossa cidade.

Junto aos quarenta alunos do terceiro ano da graduação e a dois estagiários de docência, estudantes de doutorado, nós investigávamos os processos de planificação de um chão edificável nessa região povoada por montanhas, lagoas e pântanos, junto ao mar. E experimentávamos meios e métodos em design de comunicação que nos permitissem tornar visíveis tais processos históricos, políticos e geológicos.

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Como professora responsável pela disciplina de meios e métodos em design de comunicação, minha tarefa seria estimular, na turma de alunos, o desenvolvimento de competências para o que, naquele lugar, costumamos chamar de programação visual, design gráfico, ou, mais recentemente, design de comunicação. Quanta ironia, se poderia dizer. Enquanto trabalhávamos sobre o tema das reviravoltas histórico-político-geológicas na cidade, eu me deparo com esse acontecimento. Mas não, não foi isso o que senti quando me deparei com a árvore caída no meio do caminho.

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A árvore caída me dizia muitas outras coisas. Não tanto irônicas, e todas muito relevantes. Quem derrubou a árvore, me disseram os que já estavam ali quando cheguei, foi o vento. Segundo eles, a referida árvore crescera muito, mas não encontrara, no subsolo, meios para assentar as suas raízes com segurança e resistir, de pé, em meio ao vendaval. Assim, me disseram, o vento a sacudiu até que ela tombou. Isso aconteceu no meio da madrugada, no escuro, na calada da noite. Os seguranças que ali estavam ouviram um estrondo. Era a árvore tombando de encontro ao chão cimentado.

Você me mostra, querida Imagem 1, o cimento rachado em volta da árvore. Você me revela pedaços das raízes da árvore tombada. Você me apresenta linhas de fissura no cimento no entorno da árvore. Serão caminhos de respiração do chão embaixo do cimento, essas linhas? Serão caminhos das águas, essas linhas? Você documenta esse acontecimento. A árvore, a terra, e o cimento, em reviravolta.

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Mas, sabe, minha estimada Imagem 1, eu queria te pedir licença, e te confessar algo: o que eu queria mesmo era escrever uma outra carta, e essa carta não era para você, minha cara. Eu queria escrever uma carta para aquela árvore. Prezada árvore, eu vinha andando, e te encontrei caída no chão, no meio do caminho. Antes de mais nada, eu precisei registrar esse momento, produzindo uma imagem desse acontecimento, a nossa tão cara Imagem 1. Antes de mais nada, eu precisava registrar o que eu via.

Eu te via caída, e ao te ver caída, senti imensas coisas. Você, de fato, vivia no meio do caminho, entre a nova entrada de pedestres e a biblioteca, as oficinas, o laboratório de informática, o centro acadêmico, onde os estudantes se reuniam entre as aulas, a secretaria, e as salas de aula. Você vivia no meio desse caminho. Sufocada por um chão cimentado, cheio de rachaduras. Crescida em um solo deveras úmido, o provável resultado do aterramento de uma lagoa, alguns séculos antes.

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Não sei quem te plantou, nem desde quando você estava ali. Me disseram que quem te derrubou foi o vento. Um vento forte que veio na calada da noite. Me disseram que foi esse enraizamento instável o que determinou, no final das contas, a tua queda. O que será, então, que te impediu de se assentar com força naquele chão, ali, no meio do caminho? Essa sua estória, querida árvore, essa hipótese de que você precisa crescer para cima e para baixo, a sua estória de árvore que supostamente tombou porque o vento ali em cima foi mais forte que a força das raízes que te sustentavam de pé até aquele momento, no meio da noite, terá sido isso o que te fez tombar, minha saudosa árvore?

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E, agora, eu queria escrever algumas palavras, também, para as tuas vizinhas na Imagem 1, aquelas linhas cinzas nas laterais e na parte inferior da nossa tão valorosa Primeira Imagem. Minhas caras linhas cinzas, o que fazem vocês da vida? O que fazem vocês nesse lugar? Prestando um pouco mais de atenção nos desenhos que vocês conformam, me lembrei de umas outras coisas cinzas que eu também registrei em imagem, umas formas e texturas que encontrei, em um outro momento, naquele mesmo caminho, entre o portão e as salas de aula.

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Imagem 2

Eis, então, a nossa Imagem 2, que aqui se revela. Ela guarda, sobretudo, um pequeno momento, uma etapa em meio a um acontecimento maior: a retirada de parte daquele cimentado do chão naquele lugar, como podemos notar, de modo mais amplo, na Imagem 3.

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Imagem 3
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Entretanto, enquanto me coube a responsabilidade pela direção daquela escola, não foram poucas as vezes em que me vi à frente da responsabilidade pela coordenação de reviravoltas no chão. Com essas imagens, não somente as nossas queridas Imagens 2 e 3, mas, também, aquelas que se seguem, as Imagens de número 4, 5 e 6, eu medito, um pouco mais, ainda agora, sobre esses acontecimentos geológicos tão inusitados em que me vi enredada, naquele momento, naquele lugar.

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Imagem 4
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Imagem 5
Imagem 6
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Naquele mesmo lugar em que, anos antes, ainda como aluna, as minhas pernas tremiam a cada vez que eu me encontrava sem os meios para terminar os trabalhos propostos pelos professores. As minhas pernas, que mal me sustentavam, trêmulas por medo do encontro com os professores, nos corredores ou em sala de aula. Aquelas minhas pernas, que, anos depois, misteriosamente, seguiam incertas, um pouco trêmulas, mesmo após eu ter me transformado em professora da casa.

Será que o tremor das minhas pernas sempre que eu adentrava aquele campus tinha a ver com a sobrevida, no meu corpo, daquele antigo receio pela confirmação da minha incapacidade para atingir os patamares de excelência projetual demandada pelos professores? Ou seria o tremor insistente das minhas pernas um sinal de sintonização com o que vibra naquele chão? E o que mais será que tremula, ali, a partir do subsolo, naquele lugar?

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Para adiantar a conversa, minha cara Imagem, eu perguntaria logo: o que conforma, enfim, as bases daquilo que, naquele sítio, nós, uns humanos autodenominados “designers”, identificamos como uma “escola de design”? O que será que sustenta um local, como esse, de pé? O que é que se aprende em meio a essas linhas, com essas imagens, e com todas essas reviravoltas que grafam no chão uma história de “designs” não intencionados por aqueles, como nós, humanos, que nos autodenominamos, ali mesmo, os que se formam em “design”? Como poderíamos aprender a ler, enfim, o que nos dizem tais linhas, em meio a todos esses movimentos tectônicos? Por ora, minhas caras Imagens, deixo vocês com essas questões.

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É sobretudo na Imagem 7, entretanto, que, enfim, eu creio, se reúnem as linhas mais marcantes de toda essa estória. Elas passam por debaixo do solo e se elevam, adentrando as nossas salas de aula, nessa que conhecemos como uma “escola de design”. São as malhas de linhas conformadas pelas nossas vizinhas, as térmitas, ou cupins, que encontraram caminho em meio às árvores para emergir do subsolo úmido em que se assenta a região central da nossa cidade, uma dita maravilhosa. O quadrado marrom manchado sobre um fundo nem assim tão branco, delineado pelo caminho dos cupins na parede da nossa sala de aula. Eis essa imagem, a nossa Imagem 7.

Imagem 7
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“Eu sentia apenas a noite dentro de mim”. Será que assim pensava a árvore da Imagem 1, enquanto tombava? Será que assim pensavam os cupins enquanto montavam pelas paredes da nossa escola? A frase entre aspas é atribuída ao russo Kazimir Severinovich Malevich, de quem, uns tantos anos antes, eu ouvira falar, ali, naquela mesma sala de aula, agora retomada pelos cupins. A frase, entre aspas, aqui no meio do caminho, em meio a essas imagens, essa frase entre aspas no meio do caminho, minha cara Imagem 7, me fala do que em ti se me revela: os trabalhos urbanísticos noturnos, pequeníssimos, quase invisíveis, muitas vezes imperceptíveis. Ou, melhor dizendo, os caminhos florestais que atravessam o corpo dessa coisa que nós, esses humanos autodenominados “designers”, chamamos de “escola de design”. Esses caminhos que você nos aponta refazem, dia a dia, noite a noite, essa coisa chamada por nós de “escola de design”.

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O meu corpo, também, minha querida Imagem 7, foi sendo moldado nessa rotina, por anos, dia e noite. Naquele lugar, em emaranhamentos múltiplos, também eu fui sendo feita e refeita, tal como a escola, as árvores, o chão, as paredes, e os cupins, assim como nos atesta a magnífica Imagem 8.

Imagem 8
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Ali mesmo, dia e noite, fui aprendendo a traçar umas tantas linhas. Fui sendo levada a aplainar as linhas que saíam das minhas mãos, até que, um dia, me disseram, e atestaram o acontecido em papel, que, finalmente, eu estava formada como “designer”, ou desenhista industrial. O que me formara, penso eu agora, não era nem tanto o conjunto das linhas retas, pretas ou cinzas, que me obrigavam a repetir, incessantemente, os professores, em tantas folhas de papel. Mas, sobretudo, umas meio amarronzadas, amareladas, amarrotadas, incertas, mais como as das árvores, das rachaduras no cimento, das trilhas dos cupins, ou térmitas. Esta carta, minha preciosa Imagem 7, não é tanto para ti nem para as tuas vizinhas, as reveladoras Imagens 2, 3, 4, 5 e 6. Esta carta é, sobretudo, para as árvores que nos mostram as Imagens 1 e 8, mas, também, para as linhas amarronzadas, as manchas, as térmitas, e para o tremor nas minhas pernas, que, assim como as linhas que saíam pelas minhas mãos, eu jamais pude conter.

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Esta carta se destina, também, àquilo que, por todos esses estranhos caminhos, lança pistas para um desfazer “design”, um desfazer “designers”, uns “desdesigns”, e “desdesigners”. E ela diz respeito, também, ao que, em meio a isso tudo, aponta para trilhas que nos levem além da nossa tão autopropagada, contida e contenedora, intencionalidade. Eu lhes deixo, então, minhas caras Imagens, com essas palavras estranhas, “design”, “designers”.

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E, antes de encerrar esta carta, eu vos proponho acoplar mais um “des” antes dessas estranhas palavras, e, depois, ainda, mais um “s” ao final. Coladas a mais um “des” e a mais um “s”, essas palavras, com que concluo a carta, então se transformam em “desdesigns”, “desdesigners”, etc. Assim, talvez, elas encontrem outros caminhos, essas estranhas palavras que vieram de tão longe, e que me parecem hoje tão cansadas. Estas palavras estranhas que chegaram entre nós não se sabe muito bem como, mas que, ali mesmo, naquele exato lugar onde a árvore tombou, se assentam e criam raiz.

Um forte abraço,
Zoy

Lapa, Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 2022

As Imagens 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 8 foram produzidas por Zoy Anastassakis. A Imagem 6 é de autoria de Carlos Azambuja.
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