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Carta para quem está e para quem falta

Joana & Mariana

Carta para quem está e para quem falta

Joana & Mariana 1/9

Já comecei esta carta várias vezes… Hesito nas palavras, nos pronomes, procuro o género linguístico neutro. Faço um exercício que me põe em causa. Escrevo-vos porque acho que são isto e aquilo, que o vosso percurso é importante por aquilo e aqueloutro, mas não deixa de ser a minha leitura com uma certa especulação sobre vós. É a interpretação que faço de uma maioria que não conheço, ou não conheço a ponto de vos provocar com tantas inquietações, que quero partilhar e discutir em conjunto.

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Quem são vocês? Conheci-te no Comunicar Design 2005; temos amigos em comum; li o que escrevias e conversámos mais tarde no Piolho; ouvi elogios ao teu trabalho pelo meu professor; descobri-te pelos blogues; encontrei o teu perfil nas redes sociais; identifiquei-te numa pesquisa sobre a história do design português; fui tua leitora e depois foste minha arguente; não te conhecia mas acompanhava o teu trabalho; falamos brevemente numa conversa de circunstância; vi o teu portfólio online; procurei-te porque me falaram de ti; não te conhecia mas fui à tua procura porque não te vi representada. Não te encontrei mas sei que outros colegas te conhecem e estimam.

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Mas porque é que vos escrevi? Porque vos escrevo de novo? Escrevo-vos porque vos quero conhecer — propósito ego-centrado, talvez; escrevo-vos porque quero que se conheçam — prepotente da minha parte, provavelmente vocês já se conhecem e eu é que estou de fora. Quero conhecer-vos além do portfólio pelo qual se apresentam — aquilo que nos incutem ser a nossa autoria ou identidade enquanto designers; conhecer-vos além daquilo que alguém me comentou, daquilo que li e observei, das conversas circunscritas a um grupo de contactos. Quero conhecer-vos pela vossa voz, pela vossa história, lê-la como uma entre tantas outras. Não pensei em vocês para representarem um grupo — não representas ninguém senão a ti mesme. Não acredito na história única. Há tantas histórias que não tem visibilidade porque não correspondem ao cânone do autor, do empresário, do premiado, entre outros estereótipos que aparecem nos livros. Acho que é sempre uma perda viver subordinada à ficção com um número limitado de personagens-tipo quando a vida é tão mais vasta e diversa.

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Gosto de pensar que, à partida, teremos muito em comum. Passámos por um processo de formação semelhante, ainda que em tempos distintos, que nos faz correr os nossos dias com questões idênticas. Aprendemos uma estrutura de pensamento, pelo ensino ou pela prática, que restringe e modela o que fazemos. Sujeitámo-nos a esse processo, e no presente submetemo-nos e aceitamos, ou pomos em causa à procura de melhorias. Somos treinados para responder com limites. Trabalhar com direcções, condições e prazos. As nossas respostas dependem disso ou foi assim que nos ensinaram.

Mas será suficientemente justo? Será que sabemos tudo o que nos liga, que conhecemos o que se pode definir como uma identidade profissional? E esse entendimento servirá a quem e para quê? Para identificar referências, encontrar conforto na semelhança, identificar a dissidência, excluir, cristalizar modelos, balizar o discurso do design como reduto corporativo funcional e capitalista?

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Somos de tempos e de lugares diferentes. Cada qual com as suas questões e obstáculos. As primeiras gerações tinham emprego, as novas têm trabalho. As novas gerações têm de lidar com a rejeição, com a competição, a concorrência de forma ainda mais evidente. Os modelos de trabalho alteram-se: somos freelancers por própria conta e risco, internos em instituições ou em empresas, com vínculos ou sem eles, em sociedade formal ou em colectivo informal, de vários lugares, ainda que essencialmente urbanos; nascemos e crescemos em contextos sociais, culturais e económicos diversos, ainda que favoráveis a termos instrução especializada; fomos educadas tendo presentes um contexto que nos molda e, algumas vezes condiciona/favorece; fomos formadas em períodos e escolas distintas — alguns de vós fazem parte de uma geração antes mesmo de chamarmos Design a esta prática. Tudo isto condicionou decisões, o que somos e como trabalhamos.

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Gostei muito de ler as vossas cartas. Falam de todas estas questões: da vossa formação e dos contextos de trabalho, de género, de privilégio, mas também da dificuldade de encontrar o espaço que seja vosso, nas suas singularidades: para as mulheres, para as pessoas racializadas, para jovens que encontraram a precariedade; para imigrantes e emigrantes; mas também como foi adverso para as primeiras gerações de designers encontrarem a autonomia da sua prática, o reconhecimento da profissão e a inscrição na história. Queria reconhecer as particularidades dos nossos contextos nestas cartas para que estas acrescentassem densidade à representação de designer a partir do que escrevem, revelando as vossas forças e fragilidades — serão assim tão diferentes? Como o formato carta que eu usava em criança para conhecer a prima da amiga da minha irmã que vivia duas ruas ao lado, para me conhecer/nos conhecermos através da escrita… era o pretexto, como agora.

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Para vos conhecer por esta via, pareceu necessário um registo mais intimista. A escrita pela carta implica colocarmo-nos na narração e dirigi-la a outrem. Não deixa de ser a nossa voz ao espelho. Alguns de vós não responderam. Preferia que esta carta, que era outra carta, tivesse iniciado uma conversa franca, uma troca de emails curtos, um telefonema entusiasta ou com silêncios prolongados. Se calhar acharam que o que pedia não fazia sentido: “escrever do ponto de vista do homem branco?” Escrever? “Mas eu já disse tudo o que tinha a dizer, já fiz, está feito” Ou por falta de tempo: não é fácil arranjarmos tempo para a escrita, eu sei. Vontade para nos expormos. Não gostamos de nos expor. Mas o trabalho de design não é o inverso? Não devemos anular estes contextos pessoais? Isso interessa? A quem?

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Com menos pompa, menos luzes e sem plateia presente, estas cartas foram também uma apresentação de como a vossa biografia se encontra na profissão, quais os embates que provoca. Muito obrigada por terem aderido a este exercício, por se terem questionado, por se terem exposto. Sem essa confiança e generosidade esta minha sugestão não passaria de uma ideia. Esta carta não ficará escrita enquanto não houver espaço para todes. Para permitir que rupturas se intrometam nas continuidades estabelecidas, ensinadas e que nos disciplinam a normas e modelos que copiamos. Ao invocarmos o teu lugar — dando visibilidade à tua história, à tua excepção — e ao confrontarmos as nossas práticas, a discussão acontece e, acredito, abrimos um espaço para a compreensão e solidariedade.

Falta sempre quem não está.

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