Email enviado a um velho designer por ocasião de uma discussão nas redes sociais
Mário MouraData: 11 de março de 2022, 09:06:31 WET
Preferia continuar esta discussão nos comentários do post, mas se você prefere fazê-la por mensagem privada, respeitarei essa decisão, embora não a perceba. É possível que no futuro venha a decidir publicar a minha parte da discussão, tendo o cuidado de não revelar o seu nome, e de tentar não distorcer as suas posições. Para mim, é importante manifestar as minhas ideias em público. Enfim. Nem compreendo muito bem qual a vantagem de discutir isto em público assim, em privado, mas cá vai.
2/8Você acusa-me de não prestar a devida atenção à História do Design português, de não querer saber do Sebastião Rodrigues, do João da Câmara Leme ou do INII. E é verdade. Não tenho grande interesse por esses temas. Passei algum tempo a respigar Almanaques e a comprar livros da Biblioteca dos Rapazes no OLX. Em retrospectiva, se calhar devia ter resolvido fazendo simplesmente printscreens do que ia encontrando em vez de andar a gastar dinheiro e espaço aqui em casa com esses devaneios. Compra-se uma capa porque é do Victor Palla e fica-se com duzentas folhas de papel, mal impresso e mal paginado, preenchidas por um romance que não vamos ler. Como tanta gente, dedicava-me ao coleccionismo com a desculpa esfarrapada de que andava a fazer História.
3/8Não seria muito melhor se, para além de andar a encher as estantes cá de casa, me dedicasse a entrevistar os protagonistas, os autores e as suas famílias. Também isso é apenas um grau zero de História. Já não tenho grande paciência para anedotas da vida do designer X ou Y. É tudo a mesma coisa e já muito batido. Para mais, não tenho paciência para guerrilhas entre guardiões de jazigos. É um ambiente muito dado ao gatekeeping e o meu primeiro e último impulso é dizer «fiquem lá com os vossos portões».
4/8No que diz respeito à História do Design português, preferia que fosse como a pintura renascentista: que toda a gente já estivesse morta há 500 anos e portanto não houvesse a ilusão de que a única maneira de praticar história ou crítica é ir moer a cabeça aos artistas, seus familiares, amigos e inimigos (ou eles nos moerem a cabeça a nós). Já não tenho paciência para a História ou para a crítica como mexerico.
5/8Perguntava você o que eu proponho em alternativa? Coisas bastante simples na verdade. Voltar aos objectos esquecendo por momentos quem os fez. Olhando para eles pelo lado da matéria e da forma dá-se com qualidades e relações insuspeitas. Um conjunto de obras deixa de ser organizado sob a forma e nome do seu autor e pode ser reorganizado de outros modos: por afinidades com outras obras e até por antagonismos formais e não pessoais.
6/8Em vez de monografias sobre um designer, podia-se ter monografias tentado perceber de onde vinha um certo formalismo, quem o usava, como evoluía. Tentei fazer algo nesse sentido na exposição A Força da Forma. Agarrei em revistas como a Contraste e fui atrás da Madrid me Mata que lhe inspirou o formato ao baixo, e por sua vez descobri a primeira i-D, que foi a sua inspiração. A ideia era desmantelar os designers como locais de origem, de originalidade, desfiando-os em correntes de inspiração que ultrapassavam fronteiras. Tornava-se impossível fazer uma exposição sobre design português, excepto como uma etapa, um estado complexo mas temporário pendurado entre outros estados também temporários.
7/8É isso que preferia fazer, mas o mais comum é ir recebendo encomendas para falar sobre mais outro designer vivo ou morto.
8/8