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Uma despedida-recomeço

Neusa Trovoada

Uma despedida-recomeço

Neusa Trovoada 1/12

Ao caro professor “Professor”,
e aos caros alunos invisibilizados
que querem ser designers
e temem não chegar lá,

2/12

uma nota breve sobre o meu percurso em que fui acoplando palavras que não existiam à minha prática nos meus anos de estudante —

diversidade funcional, representatividade negra, interseccionalidade

3/12

conceitos sem nome, mas que vividos e intuídos, foram pautando as perplexidades, os recuos e os avanços das minhas idades. Agora finalmente palavras. Tão incisivas para o Design como o são a tipografia, a ergonomia, a ética, a ecologia, a tecnologia, e muitas outras, e que teriam sido determinantes para fomentar uma dimensão mais real, mais consciente, criativa e enquadrada.

4/12

O tempo nem sempre surpreende.

Fui a única negra no curso de design de comunicação e a única negra a frequentar a faculdade durante os anos da licenciatura. Uma estudante muito tímida e introvertida.

A ausência das palavras para nomear realidades do meu quotidiano, tornadas invisíveis em toda a dinâmica escolar e social, travando a partilha, e reduzindo possibilidades, estimulou o meu fechamento e conduziu-me à enorme solitude do meu percurso.

5/12

Referências aos movimentos da negritude e da afirmação negra não constavam de qualquer conteúdo curricular. O acesso ao conhecimento produzido por criadores, pensadores ou artistas negros e racializados foi inexistente. A minha experiência como aluna negra foi, portanto, afunilada a conteúdos em que eu não era representada.

6/12

Nos tempos da António Arroio, tu professor “Professor” instigaste-me a procurar as minhas raízes. Hoje pergunto-me se por eu ser a aluna negra ou por algum traço particular que encontraras nos meus trabalhos. Essa exigência/provocação acabou por ter uma implicação muito forte na minha busca por uma expressão visual própria, que mais tarde espoletou a necessidade de uma afirmação identitária.

Enquanto desenvolvia a consciência das especificidades da minha existência — negra, tímida, pouco representada — fui modelando uma voz clara e audível que me identificasse.

7/12

Ao mesmo tempo que o trabalho começava a revelar todas essas marcas, num movimento de reapropriacào e transformação. Por vezes sentia-me como que entorpecida. Foi quando me juntei ao associativismo e comecei a colaborar com criadores negros e racializados, na busca de uma voz social mais activa, que tornou nítida a irreversibilidade do processo de mudança. Íntimo e exigente. Em que fui obrigada a reconfigurar-me, a desenvolver capacidades de escuta e de partilha, a despir-me dos egos do estilo próprio, para encontrar a consciência da pluralidade.

8/12

lncorporei a interseccionalidade como ferramenta nos processos de criação e aprendi que as experiências etnográficas induzem novas formas de criatividade e de produção cultural, capazes de contribuir para a mudança social, papel muitas vezes atribuído aos designers e que ainda é descurado no desenvolvimento e práticas curriculares do ensino/aprendizagem.

9/12

Neste percurso fui testando-experimentando perspectivas, visões e recriações que expressavam o(s) outro(s) invisibilizado(s). Por vezes temia que não me levassem a um chão sólido. Mas súbitos focos de luz, alumiavam o caminho que queria visceralmente seguir: A luz e o espaço aberto da voz e da harpa de Alice Coltrane.

A chamada desafiante para elaborar um cenário para um espectáculo de teatro.

A escrita-revoluçáo de bell hooks, Grada Kilomba e Jota Mombaça.

A improvável mensagem na minha caixa de correio do Linkedln que dizia: “Hey Neusa, I checked your work and really like it! (…) I think you have your own voice and creative style and vision.” — Reli atónita o remetente — Neville Brody, o designer internacionalmente conhecido!

10/12

Essas faíscas inesperadas foram determinantes para uma decisão reflectida.

O tempo às vezes surpreende.

Assim, medrosa e temerária, fui abraçando as artes visuais, num percurso individual e autónomo, mas ligado, no espanto permanente pela transformação.

11/12

Perdi o seu nome caro professor “Professor”, não sei os vossos contactos caros alunos que querem ser designers e temem não chegar lá, a escola ficou lá longe,
mas as Marcas
serão vossas
e do vosso tempo.

neusatrovoada

Amadora, maio 2022

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